segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Rota das Emoções

Frequento Barreirinhas já há muitos anos. Lembro-me das primeiras viagens, com meus filhos ainda meninos, sendo interpelado a todo instante por aquela famosa indagação das crianças:
­ Pai, falta muito?!...
Eu respondia que não, mas a viagem durava um dia inteiro. Depois de atravessar a ponte sobre o Itapecuru, tomava-se a estrada rumo a Chapadinha e, no entroncamento em Sobradinho, abandonava-se o asfalto. De lá até Barreirinhas era uma eternidade. Atravessar o rio Munim em balsas improvisadas, arriscar a vida equilibrando o carro sobre a ponte do rio Preto e ainda tendo que vencer os bancos de areias e as "costelas de vacas" da estrada, ... chegar em Barreirinhas era uma bênção!
Pior sacrifício era ter que enfrentar o banzeiro todo se quisesse ir de barco, partindo do porto de São José de Ribamar cruzando o farol de Santana, margeando a ilha de Carrapatal e se arriscando nas "croas'" de areia branca da foz do rio Preguiças, em frente ao Atins.
Mas todo esse infortúnio era imediatamente esquecido ante o espetáculo que se apresentaria daí em diante: o delta do Preguiças com seus meandros e praias que se deslocavam a cada maré. A vista do Farol de Mandacaru sinalizando a presença do ser humano naquele longínquo paradeiro, e aquela estreita faixa de areia branca teimando em sobreviver entre as águas doces do rio e a força do mar soprando em sentido contrário, são cenários que até hoje não me saem da memória.
Naquele pedaço de paraíso, pequenos ranchos de palha eram ocupados pelos pescadores nômades que passavam grande parte de suas vidas equilibrando-se em suas canoas no balanço das ondas, ouvindo o som do vento e se guiando apenas pela tábua das marés.
Recordo-me da minha primeira ida ao Caburé. Era noite de lua cheia. Contemplando as estrelas cadentes, pernoitei, deitado em uma rede numa das barracas do Paulo.
Um programa como esse não tem preço. Muitos viajam o Mundo inteiro para poderem vivenciar essa experiência.
Nos dias de hoje, esse sonho pode ser realizado sem todo aquele esforço de outrora. Graças à governadora Roseana Sarney o acesso a Barreirinhas já pode ser feito de forma mais rápida e segura (em que pese o excesso de quebra-molas na estrada) o aeroporto já é uma realidade e a cidade vem recebendo melhor atenção nestes últimos tempos.
Não há uma pessoa sequer que tenha ido ao Lençóis Maranhenses e não tenha se encantado com a exuberância da beleza ali encontrada. A natureza ainda em seu estado puro, florestas de mangues protegendo o leito sinuoso do rio, seu artesanato único e sua gente com seus costumes singelos, conferem aos visitantes um toque todo especial.
É uma pena que uma das figuras mais agradáveis e que acreditava no potencial da região tenha partido desse paraíso para o além sem tempo de vê-lo transformado num dos principais destinos turísticos do País. Chamava-se Paturi. Velho amigo de outras bandas que resolveu trocar as águas salgadas da praia dos Lençóis, onde repousa o touro encantado da lenda de Dom Sebastião, pelas águas cristalinas do Atins.
Durante muitos anos ele se incorporou ao Caburé, ali instalando uma pousada e um restaurante, onde os turistas se deslocavam para apreciar sua cozinha e ouvir suas histórias.
Estava eu com a família, num desses feriados, acampados no Caburé, todos sentados em torno de uma mesa conversando com ele, quando chegou um nativo filho de pescadores que o ajudava nas tarefas diárias. Ele era gago. Com um pequeno sinal, Paturi o chamou e lançou-lhe um desafio: abriu a carteira, tirou de dentro uma nota de cem reais, estalando de nova e disse-lhe:
Esta "garoupa" é tua se fores ao bar e pedires uma cerveja gelada pra nós. Mas sem fazer mímica e sem gaguejar!!! Enfatizou.
O Gaguinho viu ali a oportunidade de abocanhar fácil aquela grana e se esbaldar nessa noite no forró que iria acontecer no Farol de Mandacaru. Rumou em direção ao bar e ao chegar em frente ao rapaz do balcão encheu os pulmões de uma tomada só e desembuchou:
Medáumacervejaaí!
Surpreso, o cara do bar, que o conhecia muito bem e sabia da sua deficiência em coordenar as palavras, retrucou:
Brahma ou Antártica?
Hi hi hi a go go ra tu tu tu .... tu me lascou!
São registros pitorescos como esses que tornam os lugares inesquecíveis.

José Jorge Leite Soares
Cônsul Honorário da França em São Luís e
Membro da Academia Pinheirense de Letras Artes e Ciências.

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