quarta-feira, 23 de abril de 2014

García Márquez, habitante da solidão

Coluna do Sarney
Em 1969, Nestor Jost, então presidente do Banco do Brasil, passando por São Luís, disse-me que tinha saído um livro de grande sucesso de um desconhecido escritor colombiano, García Márquez, com o título de Cem Anos de Solidão. Não sabia que Jost gostava de leitura, ele que era um homem de finanças. Mandei buscar no Rio de Janeiro. Fiquei fascinado com o livro, era alguma coisa de diferente, a cidade Macondo seria incorporada na geografia do mundo, onde a solidão e o mágico se entrelaça-vam com essa figura notável de Aureliano Buendía.
Tornei-me seu devoto e passei a ser um leitor compulsivo de autores latino-americanos. Descobri que Macondo tinha um antecedente em Juan Rulfo, o precursor do realismo mágico, com a sua Comala, de Pedro Páramo. Já tinha lido La Vorágine, de José Eustasio Rivera, outro livro notável sobre a selva amazônica, além de Casas Muertas, de Miguel Otero Silva e toda a obra de Rómulo Gallegos, na qual se destaca a obra prima, Doña Bárbara, “labonguera”. Verifiquei então que García Márquez vinha na explosão dessa temática que eu desconhecia e que veio a ser o boom da literatura americana e sua marca, depois de Cem Anos de Solidão. Borges dizia que era um grande livro, mas tinha cem páginas a mais. Dor de cotovelo do Nobel. Depois veio Amor em Tempos do Cólera, de que o autor disse ser o seu livro que ficará — com o que eu concordo, pois sua estrutura, construção e personagens já encontram um autor amadurecido, genial, dono de todas as maravilhas infernais do escrever.
García Márquez tem dois temas dominantes em sua obra, a velhice e a morte, filhas da solidão. Ele não escreve sobre a solidão. Ele cria a solidão, recria, implanta, faz-lhe agonia e dor.
Tive duas oportunidades de conviver intensamente com García Márquez. Em 1991,quando com ele fiz parte durante dois anos, nas Nações Unidas, do Comitê de Meio Ambiente para América Latina e Caribe. Entre nossos trabalhos estava o de preparar o documento daquele órgão para a Conferência Ecológica do Rio 92. Para redigir o prefácio do documento foi constituída uma comissão formada por García Márquez, Rafael Caldera e por mim. Recusei-me a fazer parte, argumentando que García Márquez era a Comissão e só ele devia escrevê-lo. Certa noite, recebi um fax seu perguntando-me se a datação da cerâmica marajoara era de 6 ou 8 mil anos. Respondi-lhe que havia controvérsia, mas ele era o nosso Zeus e podia dar qualquer data que era essa a verdadeira.
Outra oportunidade foi quando foi fundado em Caracas, nas comemorações dos 500 anos da Descoberta da América, um comitê dos intelectuais da América Latina presidido por ele e de que eu fazia parte. Tivemos oportuni-dade de estar juntos e conversar durante uma semana, em companhia de grandes nomes da literatura do nosso continente, Octavio Paz, Carlos Fuentes e tantos outros. Contou-me que uma vez chegou ao Brasil no dia do confisco do Collor. Voltou.
Depois de alguns anos sem ver-nos, em 2007, quando se lançou uma edição especial de Cem Anos de Solidão, recebi um volume por ele autografado: “Ao Amigo Sarney, um abraço do Gabo”.
Li algumas vezes Cem Anos de Solidão, Amor nos Tempos do Cólera e O Outono do Patriarca. Agora, vou ler de novo. É uma maneira de rejuvenescer e relembrar um homem genial, ícone do nosso tempo que me chamou de amigo.
Como dizia Rilke, o grande poeta, “todos os grandes homens já morreram”.

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