quinta-feira, 28 de abril de 2011

Uma porta à procura de uma casa

por jose jorge
Tempos atrás, recebi um convite para conhecer um velho casarão colonial no Centro Histórico da cidade. Chicão, meu amigo, mostrava-me objetos antigos espalhados pelos cômodos da casa de seu pai no sobrado da ladeira de Santo Antonio. Imagens sacras, plafonds, porcelanas, fotomobils, cristais da Bohemia e de outras praças, prataria, petisqueiras de jacarandá com vidros bisotados, enfim, um autêntico antiquário.
Cada uma daquelas peças carregava, com certeza, uma história de vida daqueles que a possuíram por algum momento. Enquanto percorria aquele amontoado de objetos, fiquei a imaginar cenas que essas peças teriam presenciado ao longo de sua existência no convívio com seus antigos proprietários. Porém, mesmo absorvido pelos meus pensamentos, ao cruzar o corredor principal da casa, minha atenção foi atraída por algo que teria sido, há muito tempo, uma porta. O perfume do cedro ressecado pelo tempo ainda recendia pelo ambiente. Mesmo na penumbra do confinado espaço, meus olhos brilharam! Aquela porta teria enfeitado o sobrado de alguma família nobre de São Luís.
Entre tantos achados interessantes, acabei por adquirir aquela porta. Contratei um caminhão e, num sábado ensolarado, cheguei à minha casa, eufórico, com o achado.
Beth, minha mulher, ao ver aquele emaranhado de peças soltas, velhas e empoeiradas, não deixou por menos:
− O que uma porta velha vem fazer na minha casa? Onde vou colocar uma quinquilharia dessas?…
Logo depois que aqui chegamos fomos morar em uma casa ampla, moderna, feita sob medida para criar os nossos filhos. Embora nascidos no Rio de Janeiro, havíamos decidido criá-los numa cidade menor, mais segura e no aconchego dos amigos e da família. É bem verdade que aquela porta nada tinha a ver com a nossa casa… Mas tentei tranqüilizá-la alegando que era uma peça centenária, rara, histórica e que eu iria restaurá-la.
Chamei Curió, um mestre na arte da marcenaria de restauro, que passou quatro meses dedicando todo o seu esforço e maestria na recuperação daquela preciosidade. Tal qual uma Fênix, a porta ressurgiu de suas mãos ainda mais bela e imponente e no aguardo de um espaço nobre para abrigá-la. Até minha mulher passou a admirá-la. Mas, insistia na pergunta:
− E agora, o que vais fazer com ela?
− Vou fazer uma casa para abrigar esta porta! Respondi prontamente.
Por curiosidade, resolvi partir em busca da origem da porta. E não é que o destino devolve à família Soares a porta que um dia havia lhe pertencido?! No casarão da Rua do Passeio, quase na esquina do Canto da Viração, essa porta deixou-se abrir para dar passagem a ilustres figuras de São Luís que freqüentavam a casa de seu antigo proprietário. Pertenceu ao renomado médico e primeiro deputado federal, constituinte de 1946 e filho de Pinheiro, Dr. Odilon Soares.
O tempo passa e, de repente, os nossos filhos crescem, saem para estudar, casam e batem asas para fazer suas próprias vidas. Assisti dias atrás o filme de Daniel Burman, “O ninho vazio”, que trata da experiência vivida por muitos casais ao se depararem com o fato de que, de repente, começam a ficar sozinhos quando os filhos partem para assumir o comando de seus próprios destinos.
A nossa casa, alegre com a algazarra dos filhos e de seus amigos, começou a ficar silenciosa. E enorme! O azul da piscina já não mais refletia o sorriso dos meninos e os nossos objetivos e prioridades começaram a se transformar.
Recentemente, um arquiteto amigo ao nos visitar deparou-se com aquela porta encostada em uma das paredes de nossa morada. Encantou-se. Manifestamos a ele o desejo de construir uma nova casa, desta feita adaptada às necessidades dos novos (ou velhos) tempos. O projeto foi gestado, decidimos construir um novo ninho e dentro em breve estaremos nos mudando para o nosso novo lar. Nosso e da porta. Que irá se abrir novamente para receber com carinho os amigos mais chegados.

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