terça-feira, 9 de novembro de 2010

Réquiem para Frei José

Alguém ia espiar o corredor do Colégio Pinheirense e nos informava: Lá vem,lá vem, lá vem! Corríamos todos a procurar, cada um de nós, o seu acento devido. De lá escutávamos o desdobrar da batina, ao vento se aproximando e chegando cada vez mais perto da sala de aula: “Vap – vup”, “vap – vup”, “vap – vup”.
Entrava na sala quase sempre, sorrindo. Sempre porém, correndo. Eu não entendia porque ele corria tanto, e o tempo... tão devagar!
Sentava-se na cadeira de professor, para fazer a chamada. A seguir, vinha pra nossa frente e silenciosamente ficava a levantar e a abaixar os braços em riste, como se, com esse gesto, fosse nos impedir de levantar. Começaríamos a solfejar, quem sabe cantar, sob sua coordenação, orientação e batuta.Você ainda lembra o que é batuta?
- É um bastão delgado e leve de aproximadamente 50 cm com o qual, os maestros regem as orquestras. E assim, ele começava: Acorda dorminhoco, o sino está a tocar / Aurora que desponta / o dia a clarear // O galo, cedinho, há muito já cantou (bis) / quiri, quiqui / quiri quiqui.
- “Ei lá Moço” vocês desta fila farão a primeira voz; vocês do meio, a segunda.
E vocês da terceira fila, farão a terceira voz.
Às vezes, alguém parava de cantar, para se deleitar, com o cruzar combinado das vozes. Ele ao perceber, estalava os dedos naquela direção, de baixo pra cima, como se portasse na mão uma castanhola, a nos intimar a voltar a cantar.
Estávamos a jogar Futebol de Salão, hoje FUTSAL, na quadra do Ginásio. Frei José era o árbitro. Eis que José Carlos Marinho entrou duro no adversário, derrubando-o. Frei José interpretou ter sido “Falta Violenta”, o que hoje chamamos de “uso desproporcional de força” e o expulsou do jogo. Em verdade, a jogada fora viril, desleal não! Desta vez o árbitro se olvidara. O atleta, aluno do Colégio Pinheirense: disciplinado, respeitador e elegante, saiu da quadra. Arrumou seus livros e cadernos e foi saindo. O jogo foi reiniciado e coincidentemente a bola chutada, foi em sua direção.
Pegou-a, colocou-a debaixo do braço e continuou a sair em silêncio e cabisbaixo. Ao perceber, Frei José gritou-lhe: “Ei lá Moço! Eu expulsei foi você, não foi a bola!” E o restante dos atletas murmurou em uníssono:
- A bola é dele!
Na semana seguinte estávamos a jogar com uma bola novíssima. Esta do Colégio Pinheirense, comprada por Frei José.
Certa vez fizemos uma prova de desenho. Saí-me bem nas perguntas sobre a vida de Beethoven, Sebastian Back, Mozart, Vivaldy e Strauss. A 2ª parte da prova era pra desenhar o cesto de papel, da sala de aula, que por ele fora colocado sobre a carteira do professor. Nós o desenharíamos, do ponto de vista da perspectiva em que ele se encontrava, em relação a cada um de nós, na sala de aula. O cesto era todo de madeira, feito de partes que se encaixavam. Não havia nele um só prego. As pernas, do chão até o fundo, mediam 5 centímetros. E se projetavam para o alto, formando as colunas do cesto. Creio que do fundo até as bordas ele media 40 cm. Medidas que tiramos depois da prova, porque durante, tiramo-las no olho e no lápis. Na aula seguinte, Frei José trouxera-nos a prova para comentá-la. Eu tirei 9,0 mas, esperava um 10,0. Perguntei-lhe
Frei José por que o senhor não me deu 10,0? Nesta eu mereço com certeza! Ele pegou a prova da minha mão. Seu dedo indicador percorreu toda a prova e por último subiu-o até o cabeçalho. Fixou-o lá e me disse: “Ei lá Moço! Você não sabe nem escrever o nome da disciplina e já quer tirar 10,0? Eu havia escrito no cabeçalho, Prova de Desenho. Desenho com “z”. Dei uma de “O Cavalo Voador”, ou “Cavalo Móbil Oil”.
Aquele da lata branca de óleo para motor de caminhão, vendidas por seu João Moreira!
Hoje diríamos: “Paguei um Mico”!
Pedro Felipe (Trepado), Reizinho, Melo, Trator, Zé Branco (Alberto Mota),
Frutuoso de seu Zoró e Pecos (Zé Humberto) irmão de Godelho (José Maria) e de Maria Lúcia de Dona Violeta Sessenta e seu Juca Câmara, conversavam numa roda quando
Frei José e eu fomos chegando. Houve uma gargalhada retumbante vinda do grupo maior. Nada a ver conosco, mesmo assim, Frei José lhes perguntou:
- “Ei lá Moço! Que se passa?”
A gargalhada explodiu outra vez. Pecos tomando a palavra disse: Frei José, é que Reizinho está dizendo que na casa dele, ele não come pão com manteiga. Ele come é manteiga com pão!
Frei José estava sempre presente. Ou então, estava chegando... Era na sala de aula de desenho, “Canto Orfeônico”, Laboratório de Eletricidade, na Quadra de Esporte, na Celebração da Páscoa, nas Festas Juninas, na Semana da Pátria, no Natal e nas Férias.
Em 1973 houve um Concurso entre as escolas de Pinheiro, sediado no Colégio Pinheirense, materialização de um Projeto de Lei que o então Prefeito Dedeco Mendes enviara para a Câmara Municipal, com o objetivo de que fosse criada a Bandeira de Pinheiro. Frei José sugeriu a “Manoel de Nhô” então adolescente e aluno da casa, que refizesse o seu trabalho para incluir a Palmeira de Babaçu. O Professor Manoel da Conceição Silva, o nosso “Manoel de Nhô”, é hoje, Membro Fundador da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciências – APLAC., professor da Universidade Federal do Maranhão e o Criador da Bandeira de Pinheiro. Segundo ele, a sugestão de Frei José, foi o detalhe que fez a diferença, porque as outras bandeiras concorrentes também eram muito bonitas!
Dentre os desfiles memoráveis do Colégio Pinheirense faço destacar o do de 7 de setembro de 1965. Voltávamos da Matriz pela Rua Diogo dos Reis, passando do Obelisco para a Praça da Prefeitura, nesse sentido. Quando já estávamos ao lado da Lojas Pernambucanas, defronte do sobrado de Paulo Castro, o Professor Antônio Carlos Guterres, de Educação Física, deu-nos o sinal sonoro que ansiosamente esperávamos.
Os alunos do pelotão masculino que marchava logo atrás do pelotão das Bandeiras dos Estados Brasileiros, formamos então um “C P” feito de gente, em movimento, a marchar. Foi um espetáculo vivo e a cores. Só nós e o Exercito sabíamos fazer tão bem!
Em frente ao Sobrado dos Padres, fizemos um parada. Um “direita volver” e ficamos de frente, por aproximadamente trinta segundos, a homenageá-los. Em seguida um “esquerda volver” e “em frente” retornamos a marchar. Ao passarmos em frente ao Patronato São Tarciso, alguém de nós falou: “Frei José está chorando”. Eu virei rapidamente a cabeça para a direita e o vi, no portão do Patronato com os óculos na mão esquerda, o lenço na mão direita a enxugar as lágrimas dos olhos!
Frei José Preziosa, de família católica, nasceu na Itália, em 19 de janeiro de 1921. Integrando um grupo de 9 (nove) Missionários do Sagrado Coração, dos quais era o mais jovem: 25 anos, chegou em Pinheiro, em 16 de agosto de 1946. Aqui faleceu em 23/OUT/2010.
Deus concedeu-lhe o Dom da Vida por 89 anos, dos quais viveu entre nós 64.
Agora grite-nos daí, “Ei lá Moço!” e de cá responderemos...
- Frei José, Saudações Pinheirenses!
Acd. Agnaldo Mota

Nenhum comentário:

Postar um comentário