quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Pharmácia da Paz

No início do século passado, a assistência médica nas cidades do interior do Maranhão era tão precária que a população se valia dos curandeiros, parteiras e farmacêuticos.
Há exatamente cem anos, chegava a Pinheiro um farmacêutico prático que rapidamente tornou-se conhecido e muito respeitado não só na cidade como em toda a região. Mulato, bem vestido, atencioso e muito espirituoso, logo se integrou no seio da comunidade. Casou-se com Inês Castro e freqüentava as boas rodas sociais, com participação atuante nos eventos e agremiações culturais mais destacadas.
Alto e barrigudo, com voz grave, rouca e pausada, Zé Alvim era uma dessas figuras que fazem a história do Lugar. Tipo folclórico foi através dele que chegou a Pinheiro, pelo final da década de 1930, o primeiro rádio.
Nessa época os editoriais do Jornal Cidade de Pinheiro, de forma contundente, vinham advertindo o Füher alemão acerca de suas pretensões bélicas. Hitler ignorou as ameaças, invadiu a Polônia e espalhou pânico pelo Velho Continente. Começava a segunda guerra mundial.
A população da cidade acompanhava, atenta, as notícias do front preocupada que estava com Américo Gonçalves, único pinheirense combatente da FEB, que havia partido para a Itália com a missão de acabar com Hitler.
À “boca da noite”, como costumavam dizer, os ouvintes postavam-se na calçada da Pharmácia da Paz para tentar escutar os boletins da guerra, transmitidos pela da BBC de Londres. Ligar o rádio era uma novela. Precisava conectar a bateria, deixar as válvulas esquentarem, e passar um tempão sintonizando a estação… Era tarefa que só Zé Alvim era capaz de realizar. Mais ruídos que sons, chiados e descargas encobriam o noticiário a ponto de não se entender quase nada. A cada descarga Zé Alvim traduzia, com sua voz cavernosa, para os atentos ouvintes:
− Ou é tiro de canhão ou barulho de morteiro! Tão bombardeando Londres!
Muito respeitado na Vila, qualquer que fosse o problema ligado à saúde, o endereço certo era a Pharmácia da Paz, onde os remédios eram manipulados com maestria pelo farmacêutico. Contam que até conselho ele distribuía com fartura e sem cerimônia.
Certa feita um afilhado resolveu se casar com uma moça nova. Dia seguinte ao casamento, o orvalho da madrugada ainda encobria os canteiros da Rua Grande quando o mancebo bateu às portas da casa de Zé Alvim que, sonolento, o recebeu vestido ainda de pijamas.
− Rapaz, tu te casou ontem, o que é que tu vem fazer aqui em casa uma hora dessas? Tu deve ficar com tua mulher!
O afilhado queixava-se que ia devolver a moça aos pais dela pois achava que ela não era mais virgem.
− … É que eu tô meio preocupado, meu padrinho. Eu achei uma certa facilidade… não saiu nem um pouquinho de sangue…
− E tu pensa que pra tirar honra de mulher precisa de picareta? Cria juízo! Volta pra casa e fica com a menina, rapaz! Ralhou Zé Alvin.
Conformado, o moço retornou para a esposa, mas Zé Alvim, sempre que podia, confidenciava aos amigos mais próximos:
− Ela era furada mesmo…
Até os dias de hoje a Pharmácia da Paz continua em Pinheiro, no mesmo lugar, e é uma das mais antigas farmácias de manipulação do estado do Maranhão.
Zé Alvim deixou estórias e saudade! Por ironia do destino morreu em 1952, aos 61 anos de idade, contrariando um velho ditado que costumava usar: “o que mata velho são três K; queda, catarro e caganeira!” Acabou morrendo de um outro K: coração…

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